
Quantas vezes você já estendeu a mão na direção de outro, na esperança de encontrar ali um pedaço que parecesse ser só seu? Já mergulhou em conversas alheias, tentou vestir sonhos de terceiros, como se, ao se encostar em outro coração, pudesse encobrir o vazio que insistia em ecoar dentro de você? Há um instante quase invisível em que nos perdemos no reflexo que não é nosso, mas que, por hábito ou esperança, tomamos como se fosse.
O risco de se perder nos outros
Podemos até negar, mas é um fato que é fácil se perder nos outros. Perder se no outro é, muitas vezes, buscar nos olhos alheios o espelho que nos negamos. É procurar, em cada gesto de aprovação, a prova de que somos suficientes, como se a nossa própria voz interior cravasse dúvidas a cada silêncio. As conversas nos arrastam, as expectativas nos vestem, os afetos nos moldam.
E, nesse movimento repetido, apagamos aos poucos as cores originais do nosso ser, nos vestindo de nuances que não nos pertencem. Como espelhos partidos nos olhamos e vemos reflexos de fragmentos de quem acreditamos ser. Essa imagem nunca é inteira, pois ela não nos reflete tal como realmente somos.
O desejo de aceitação e suas armadilhas
No fundo, o desejo é simples: ser aceito. Em cada gesto nosso, procuramos por aprovação, como se a vida fosse uma sala repleta de juízes silenciosos e sim ela é assim, porém não é algo crucial para nós levarmos em conta a ponto de nos moldar em função disso. Sabe, esse caminho de constante busca por aprovação alheia nos afasta daquilo que mais importa: o autoconhecimento.
Precisamos ter em mente que, no fundo de cada pessoa, existe uma espécie de “mapa” próprio e ele é parte essencial do autoconhecimento Ele é criado baseado em memórias, desejos e feridas. É nesse local que encontramos o nosso eu. Quando você se entrega ao outro antes de conhecer seu próprio contorno, anda por labirintos que não foram desenhados para você. Gira em círculos, cansado, e ainda sente que falta ar.
O caminho do autoconhecimento
Reconhecer-se exige coragem de voltar-se para dentro de si mesmo e ela é uma das mais difíceis. Exige parar de buscar no eco dos outros o barulho que preencha o seu próprio silêncio. Clarice Lispector escreveu que há um certo “não sei o quê” em nós que pede para ser desvelado. Esse “lugar” não pode ser encontrado no olhar do outro. É um “lugar” que só nós conhecemos, pois é traçado por memórias, feridas e sonhos que só pertencem a cada um de nós.
E, ainda assim, insistimos em tentar vestir os sonhos alheios. E como roupas emprestadas que nunca se ajustam ao corpo queremos que elas se adequem ao nosso eu. Jane Austen, em sua agudeza, observava o quanto as relações sociais moldam, disfarçam ou revelam quem somos. No jogo das aparências, quantos de nós não apagamos pouco a pouco as cores originais para nos encaixar em molduras que não nos pertencem?
O silêncio que revela quem somos
Autoconhecimento não é isolamento. É, antes, aprender a voltar para si mesmo. É reconhecer que os outros podem nos ensinar, inspirar, desafiar, mas não podem ocupar o espaço da nossa voz. O vazio que sentimos quando buscamos respostas externas não é sinal de fracasso, mas de que há algo que desconhecemos a respeito de nós e esse algo precisa ser ouvido para que a gente possa crescer. E esse ouvir exige silêncio. Exige parar diante do próprio coração, sem pressa, sem distrações, ouvir o que nosso eu tem a dizer.
Quando ouvimos o nosso eu, é como se aquele quarto escuro tivesse sido iluminado e pudéssemos ver coisas que- até então- estiveram ocultas pela escuridão. Nesse processo de autoconhecimento, não encontraremos só coisas belas, haverá dores, lembranças que ainda incomodam o coracão,verdades difíceis de aceitar. Contudo, é necessário mergulharmos em nós para nossa a autenticidade nascer.
Um convite a olhar para dentro
Pergunte-se hoje: quem você é sem os reflexos olheios? Quem você seria se não houvesse espelhos a devolver imagens, se não houvesse vozes externas a ditar o que deve sentir, pensar ou desejar? Essa pergunta é o início de um caminho que tem um rumo: voltar-se para dentro de si. O autoconhecimento não se alcança de uma vez só; ele é feito de passos, de coragens e de escolhas. Através dele, passamos a nos aceitar mesmo que imperfeitos e que não dependemos de molduras alheias.
Quando você busca se autoconhecer, descobre que não precisa mais procurar nos outros a validação que sempre buscou. Descobre que pode amar sem se perder, que pode caminhar ao lado sem desaparecer. Descobre que o outro não é o seu espelho. Essa libertação abre espaço para relações mais verdadeiras, pois você não se perde nelas, mas se oferece inteiro.
E talvez, no fim, o maior gesto de amor consigo mesmo seja esse: olhar-se sem medo, reconhecer o que há em si, e compreender que a vida ganha mais cor quando você se permite ser, simplesmente, você. A partir daí, pode caminhar ao lado de outros com leveza, pois quem já se achou não corre mais atrás de si em espelhos emprestados.
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