Quando o “e se” vira ameaça

Eu tenho pavor de cobras, é paralisante. Então, obviamente que evito lugares em que posso ser colocada em contato com esses répteis. Posso encontrar uma cobra lá, contudo também não encontrar nada além de belas paisagens. Mas então, como posso explicar isso para meu cérebro, se para ele o “e se” encontrar uma cobra é uma ameaça e precisa ser combatida.

A mecânica do cérebro

Vejamos: nosso cérebro possui funções vitais e elas contribuem para nos manter vivos. A ansiedade age nele como se fosse uma teia de aranhas construída por nós, as aranhas, que no eterno “e se” criamos esse emaranhado de onde temos dificuldade para sair. Assim, o cérebro fica flutuando entre o que foi e o que talvez seja. Ele vai lá e rememora os perigos, os medos, as vergonhas, os momentos de angústia e os tira da escuridão do passado e os coloca no que ainda será. E, de repente, por causa desse “e se” já não há luz sendo projetada no futuro.

Dessa forma, vivendo nesse não-lugar, vemos perigo em qualquer esquina; como se ele pulsasse na nossa carne. É uma sensação de aflição que, embora sem causa presente ou visível, perturba a tranquilidade como se a calamidade já batesse à nossa porta.

A bola de neve do e se

Nesse intervalo, que ainda não é futuro nem é mais o passado, o perigo deixa de ser mera lembrança ou simples conjectura e assume o estatuto de presença. Nós sofremos, física e emocionalmente, por coisas que não estão acontecendo. Pagamos um preço altíssimo por um ingresso para um filme de terror que ainda não foi filmado.

Agora, pare, sente-se, respire fundo comigo por um instante e reflita: não é estranho como uma pequena dúvida, um único “e se…”, pode se transformar em algo que nos paralisa? Pode ser às 3h da madrugada após um sonho, no meio de uma reunião ou num momento em que estamos sozinhos, que estamos estudando ou lendo o edital de um concurso que ele surge. No início é sutil como um sussurro dizendo: E se eu não passar no concurso? E se lá houver muitas cobras? E se eu ficar doente? E se eles não gostarem de mim? E se eu tomar a decisão errada e arruinar tudo? Entre tantos outros “e se”.

Pare por um segundo e observe a mecânica do seu e se. Ele raramente para em uma possibilidade. É uma bola de neve. E se eu for demitido? A mente não para aí: e se eu for demitido, então não vou pagar a hipoteca, então vou perder a casa, então minha família vai me julgar, então vou ficar sozinho e falido… Em segundos, você não está mais apenas considerando a perda de um emprego; você está vivendo, na pele, a experiência completa de um colapso existencial. Tudo sem sair da cadeira.

Nem mantra, nem mágica: por que pensar positivo não basta

Não vou dizer que a solução é simplesmente pensar positivo ou ainda deixar para pensar no assunto quando acontecer, pois isso seria simplificar um assunto complexo. Se temos um osso quebrado, um band-aid não irá curar. Então, se estamos passando por momentos de ansiedade, não será um mero pensamento positivo. Alguns casos mais profundos pedirão profissionais habilitados e eu não falarei deles nesse texto; falarei de casos como o meu e talvez o teu que está lendo o texto.

Na minha visão, não adianta dizer para nosso cérebro que o dia está lindo sendo que está nublado. O cérebro vai buscar formas de nos defender, alertando de possíveis perigos e nós usamos esses alertas para criarmos nossos “e se”. Mas, se fazer projeções, considerar consequências, é uma função vital do nosso cérebro, por qual motivo não analisamos cada situação e estabelecemos qual é a melhor decisão para aquele momento?

Quiçá seja por ser mais cômodo fazer previsões futurísticas baseadas nos “e se”. O interessante é o cenário traçado é sempre catastrófico, pois o “e se der certo” não faz parte do nosso roteiro melodramático.

Exercício prático: conduza até o fim e volte com um plano

Acredito que o exercício seja de posicionamento para refletir diante de cada situação. Voltando ao exemplo da pessoa que imagina ser demitida e ir morar debaixo da ponte. Pare e se pergunte:

  • Se eu for demitido: o que acontece depois de eu ser demitido?
  • Como eu me levanto no dia seguinte?
  • Para quem eu poderia ligar?
  • Que habilidades eu tenho?
  • O que eu poderia fazer hoje para estar preparado para esse possível futuro?

Esse exercício de conduzir nosso pensamento até o nosso suposto fim permite que percebamos que até os nossos medos têm um limite e que existem brechas por onde podemos conduzir nossas decisões. ar os e se e escolher no presente

Abandonar os “e se” e viver o presente

Então, sabemos que os “e se” são criados baseados nos nossos medos, resta a nós entregá-los. Fácil não é (só de ver a foto de uma cobra eu sinto um arrepio na espinha), mas deixar de viver por medo é uma forma de anular-se. Isso não quer dizer para ninguém ser inconsequente e sair vivendo como se não existisse um amanhã. É só para, quando o “e se” aparecer, pararmos para refletir a respeito de qual será a melhor decisão para aquela situação e ela não pode ser baseada em previsões futurísticas.

Essa é uma página de reflexão a respeito de temas que quem escreve vivenciou, ainda vivencia ou tem contato com quem passa por alguma situação parecida.


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