
A dor e a mágoa chegam, entram sem nos pedir licença e ficam sem perguntar se a queremos como nossas companheiras silenciosas.
Não são exatamente iguais. A dor é afiada e corta por dentro. Ela nos rasga, ora parece que é feita de vidro moído, ora parece um punhal. Ela tem urgência de ser sentida. Sem cerimônia, como uma luz fria interrompe nosso sono ou nosso café da manhã. A mágoa é surda, não se importa com o que é dito para ela e fica persistindo como aquela ferida que não foi cuidada e o processo inflamatório se instalou. A mágoa não é urgente como a dor; é morna e tem paciência. Senta conosco na mesa do café da manhã, nos acompanha no banho, deita-se ao lado na cama e fica sem falar, sem reclamar. Ora ou outra lateja baixinho para que não a esqueçamos e a deixe ir embora.
Algumas pessoas dizem que, nesses momentos, elas se confundem ao dançar juntas bem diante da nossa cara. Daí nós nos perguntamos: será esta pontada no peito a dor nova ou a mágoa antiga? Mas, será que isso importa?
No meu caso, não sei exatamente a resposta. Sei que as cores parecem distantes, como se tivesse uma película entre elas e meus olhos. Isso deforma e distorcer a paisagem de tudo o que antes me era familiar e íntimo. É como se o mundo tivesse perdido sua própria substância. O gosto das coisas parecem diferente e se dissolvem na língua. O canto dos pássaros soa distante. É como se a vida agora se resumisse a um eco e o ato de respirar tenha se tornado um esforço; como se o ar fosse pesado.
O pior de tudo é a dúvida que se instala, a pergunta que fica. Será que a alegria vai voltar a preencher meus dias? Será que eu ainda sei rir, sem que pareça uma traição a essa coisa que me machuca?
Imagine essa ideia louca: acreditar que amar novamente seja uma traição a dor e a mágoa de tudo que aconteceu um dia. Sabe… essas coisas povoam minha cabeça às vezes. Mas, cheguei a conclusão que, se somos capazes de sentir a dor e a mágoa, é por ainda sermos capazes de amar, pois ainda estamos vivos.
Isso deve ser o que mais importa.
Ah, e o tempo não apaga nada. Isso é uma grande mentira. Ele apenas passa. Cabe a nós, com o passar do tempo, aprender a carregar nossas memórias e a tratar as nossas cicatrizes não como marcas da fraqueza e sim da resistência.
Com o tempo, aprendemos que curar-se não é sinônimo de esquecer e descobrimos que nosso peito é maior do que pensávamos. Nele cabe muitas coisas, até mesmo a possibilidade de sentir a alegria de novo.
No fim, quiçá a cura seja isso: transformar dor em sabedoria; e mágoa, em uma forma de compaixão.
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